Paranapiacaba é famosa pelo seu trem e sua história, tanto quanto por suas trilhas, repletas de cachoeiras. Passei um fim de semana especial ali graças à companhia de Eduardo Pin, morador da Vila desde 1997, historiador, monitor ambiental e cultural, guia de turismo e presidente da AMA – Associação de Monitores Ambientais e Culturais de Paranapiacaba.
Pin, como é chamado pelos residentes, teceu a história da vila tão harmoniosamente com os lugares por onde passávamos, que me apaixonei pelo local. Nada como visitar um destino com um especialista, para enxergarmos além das fachadas, portas e ruas.
Pedi a ele um texto para compartilhar com vocês e Eduardo gentilmente me cedeu este artigo que espero te inspirar também. E te dou um conselho: quando for a Paranapiacaba, fale com ele. A experiência é totalmente diferente. Os contatos estão no fim do texto.
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Paranapiacaba: trem, história e inspiração
A existência tão somente do espaço físico não é condição suficiente para a consideração de um “lugar especial”. Se o espaço é moldado pelo homem, seja em sua ação transformadora ou em sua produção valorativa e significadora, não existe patrimônio sem humanidade. E somente na relação do homem com o espaço é que se constroem aspectos como os de territorialidade, de identidade e de pertencimento.
O que de verdade dá sentido a um lugar é o conjunto de significados, simbólicos ou não, que a cultura local imprimiu e continuará imprimindo ao espaço, e é isso que leva o outro também a sentir, a partir de seus próprios valores, o lugar ao qual visita, produzindo uma percepção, talvez nova, mas sempre dinâmica, legitimamente humana.
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Paranapicaba, trem e história
No caso da Vila de Paranapiacaba, a formação de uma classe trabalhadora é o primeiro traço de um patrimônio humano local. A Estrada de Ferro Santos a Jundiaí foi pioneira na criação de um operariado até então desconhecido entre nós. A São Paulo Railway Company não só revolucionou os meios de transporte, mas também as relações sociais e de trabalho. Tal empreendimento, dito “faraônico” para a época, foi capaz de criar, no Alto da Serra do Mar — em lugar remoto, quase inacessível —, uma sociedade moderna dentro de um Brasil ainda escravista, de economia baseada no extrativismo e na monocultura agrária.
Nesse pequeno universo, o vapor, o ferro, o carvão mineral, toda a sorte de materiais importados e elementos pré-fabricados, e ainda o trabalho livre, assalariado, imigrante, tudo foi organizado num regime de especialização e hierarquia, consolidando a primeira cidade-empresa no Brasil, antecessora de qualquer outra (MINAMI, 1995).
Em Paranapiacaba, a partir de 1867, desponta um país diferente, uma sociedade que vivia a Revolução Industrial— só que nos trópicos, à época do Império… Se o trinômio do desenvolvimento econômico e social do Estado foi o café, a ferrovia e a imigração, a Vila é testemunho absoluto das transformações que determinaram a construção de um Brasil moderno.
A exigência de uma mão de obra mais qualificada para a operação da ferrovia levou, inicialmente, à contratação de trabalhadores vindos da Europa, o que fortaleceu o sentimento de coletividade; porém, a necessária dissolução de certos patriotismos de origem fez surgir um dos traços formadores do caráter desse peculiar operariado, a sensação de pertencer à ferrovia, de ser um “cidadão ferroviário”. O mesmo fenômeno repetir-se-á, a partir dos anos de 1930, quando da contratação de migrantes — sobretudo mineiros e baianos — pela Companhia.
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Paranapiacaba, orgulho da ferrovia
A ideia de territorialidade desse pertencimento se estendia para muito além da Vila, da estação ou das oficinas, e abrangia os 139 quilômetros —entre Santos e Luz, Luz e Jundiaí — da Estrada de Ferro. Trabalhar na Companhia era sempre o elemento identitário mais forte.
Tamanha “cidadania ferroviária” consolidou-se também pelos aspectos distintivos desse operário assalariado, com remuneração periódica, benefícios trabalhistas extensivos à família, além do emprego que, por si só, era signo de qualificação e, portanto, de notoriedade.
O orgulho de pertencer à ferrovia como coisa mais organizada e organizadora da existência dava ao ferroviário ares de grandeza, no sentido mesmo de diferenciação dos demais trabalhadores brasileiros. Gente de ferro, forte e orgulhosa da sua categoria, sua função de transportar, participar do “progresso”.
Ser da “Estrada”, trabalhar na “Inglesa” — como era chamada a São Paulo Railway —e, mesmo depois, trabalhar na “Rede” permanecia como identidade repleta de glória. Fazer parte da “família ferroviária” nobilitava o trabalhador e envernizava as feições operárias da classe, chegando mesmo a torná-las obscuras, secundárias.
Na Vila, essa “nobre distinção” revelava, por um lado, uma adesão alienada à monárquica hierarquia britânica, assim como camuflava o sofrimento do trabalho, as adversidades climáticas da região, o relativo isolamento da Vila, e a dura realidade de se viver no mesmo local em que se trabalhava, dentro de um complexo ferroviário barulhento, fumegante, fuliginoso, controlado por rigorosa vigilância, a funcionar todos os dias da semana, com a vida regulada pelo ciclópico relógio da estação, em estafantes doze horas de jornada.
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Paranapiacaba, tempo e cotidiano
As condições naturais, o clima, também moldariam decisivamente hábitos e costumes em Paranapiacaba. O sol escasso e a umidade constante ensinam que as casas devem permanecer fechadas. A proximidade da mata facilitou a prática extrativista e exploratória — não propriamente exploradora — que incorporou à dieta alimentar da família ferroviária sortimentos nativos como o cambuci, o araçá e o palmito, além da carne de caça.
Na época da “Inglesa”, tais recursos eram relativamente abundantes na Serra do Mar. Mas, curiosamente, talvez pela rígida hierarquização com que presença britânica se impôs na vida brasileira do trabalho — o que condicionava distanciamentos interpessoais e de classe — pouco se incorporou dos costumes e hábitos cotidianos dos administradores. Na Vila, não se toma o chá das cinco, mas muito se experimenta a pinga curtida no cambuci, considerada mais eficaz no combate ao frio úmido dos dias serranos.
No ano de 1946, a saída dos ingleses resultou da estatização da ferrovia. Em 1974, a substituição da tecnologia funicular dispensou mão de obra. A transferência gradativa das famílias que moravam nos patamares vai descaracterizando um modo de vida singular. Outro duro golpe na identidade ferroviária é sentido, em 1981, quando a estação de madeira —um dos símbolos da ferrovia na Vila —sofre um incêndio, cuja causa ainda hoje é desconhecida.
Em 1998, é decretada a extinção da Rede Ferroviária, no mesmo ano em que é extinto o tráfego de trens de passageiros entre a Estação Luz e Santos. Em 2001, Paranapiacaba deixa de ser Estação Terminal da extensão operacional do trem metropolitano, fator decisivo para fragmentar a “cidadania ferroviária” na Vila. Uma política de demissões voluntárias e de aposentadorias compulsórias provocou debandada dos ferroviários que usaram dinheiro das indenizações para comprar casas próprias. Quebrando o vínculo entre trabalho e moradia, entre identidade e territorialidade, os ferroviários mais tradicionais e alguns de seus descendentes abandonam Paranapiacaba.
Paranapiacaba e a comunidade
Inicialmente, a compra da Vila pela Prefeitura de Santo André gerou certa desconfiança e alguma resistência na comunidade remanescente. Era do senso comum que Paranapiacaba fosse da ferrovia, como território isolado, autônomo —de gestão e costumes próprios —, não pertenceria a qualquer outra cidadania, nem municipalidade. No entanto, os processos históricos que condicionaram as transformações da Vila deram origem a uma comunidade mais diversa, menos coesa, que, em sua maior parte, não mora em Paranapiacaba por trabalhar na ferrovia.
O grupo que chega à Vila durante seu abandono, entre os anos 1980 e 90, ocupando casas vazias, ou o que vem já sob a chancela da administração da Prefeitura de Santo André, se apropria e até reverencia a saga ferroviária vivida aqui, compreendendo — por vezes, muito a seu modo — a existência dessas casas e desses espaços. Com o tempo, seja em função do turismo e de seus dividendos, seja pela adesão afetiva ao lugar e seu entorno natural, a comunidade que hoje mora na Vila buscou entendê-la como patrimônio.
O orgulho de pertencer à ferrovia foi trocado pela empatia com o lugar e sua qualidade de vida, fenômeno frequentemente reforçado pelo olhar maravilhado do visitante que reconhece Paranapiacaba como especial. E ainda que, hodiernamente, a parada de trem tenha se tornado destino turístico e a dinâmica cidade operária, lugar de tranquilidade e sossego, o legado ferroviário não poderá jamais ser obliterado e permanece importante, significativo para Santo André, para São Paulo, para o Brasil e, quem sabe, para o mundo.
Eduardo Pin é morador da Vila desde 1997, historiador, monitor ambiental e cultural, guia de turismo e presidente da AMA – Associação de Monitores Ambientais e Culturais de Paranapiacaba. Foi membro do Conselho de Representantes de Paranapiacaba (2001 a 2008); do FUNGEPHAAPA (2002 a 2008); e do COMDEPHAAPASA (2006 a 2010).
Onde ficar em Paranapiacaba
Com conforto
A Hospedaria Os Memorialistas é a melhor pousada para ficar em Paranapiacaba. O cuidado e a atenção aos mínimos detalhes somados ao acolhimento caloroso dos proprietários tornarão sua estadia mais amorosa. Note que na Vila não há suítes com banheiros privativos, porque as casas são tombadas pelo Patrimônio Nacional e não podem sofrer alterações.
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Tags: Paranapiacaba história – Paranapiacaba trem – Paranapiacaba trilhas – Paranapiacaba o que fazer
Foto de capa de Angela Manta.
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